sábado, 21 de julho de 2012

Criança não é tamagoshi

Uma historinha fictícia:

"Depois do exame de ultrassom, a notícia: é menino!


- Será que ele vai seguir meus passos de dentista, Maria?

- Ah, João, eu acho que ele tem é que fazer o que ele gosta. Que dê um mínimo de dinheiro pra sustentar a ele e os filhos.
- É. Você sempre foi mais legal que eu. Pensando bem, é isso mesmo. Acho que a gente devia deixar o menino escolher.  Porque o que importa é a felicidade dele com a família dele, né?
- Claro, meu amor.

Quarenta anos depois, Tiago, filho de João e Maria, segue a vida assim: é pintor e ilustrador freelancer. Não se considera nem homem, nem mulher. Casou aos 35 com uma mulher de 41, que não vê problema algum na falta de gênero do marido.  Os dois têm um relacionamento aberto. Não tem filhos com ela nem pretende ter. O dinheiro que ele ganha dá pra sustentá-lo de boa, mas volta e meia ele se sente meio apertado. "

Algumas situações bastante comuns:


1- O que você quer que seu filho seja? Ah, você não quer nada, acha que ele tem total poder de escolha? Ok. Pretende botar seu filho em aulas de balé quando o médico constatar que ele anda com o pé pra dentro? E sua filha, doida por esportes? Ela quer judô, mas você acha melhor vôlei.


2- Seu filho armou a maior bagunça na sala. Jogou os papéis dos desenhos todos no chão, depois de rasgá-los, claro. "SEU PESTE! VAI FICAR SEM COMPUTADOR PRO RESTO DA SEMANA!". Dias depois, ele reclama. "Você sempre grita comigo." Ao que você responde:
- Mas a vida é assim. Você vai me entender quando tiver a minha idade e os próprios filhos pra criar.

3- Aparece a palavra "gay", falada na TV. Fernanda e Renato, pais de Júlia, começam a discutir sobre a sexualidade da filha. "Se ela for lésbica, tudo bem. Se ela for trans, tudo bem. Se ela não quiser ser nada, tudo bem. Só acho que ser bi já é querer demais. Não dá pra gostar das duas frutas ao mesmo tempo, do mesmo modo", é o que os dois pensam.


4- Brenda tem sete anos e chegou da escola dizendo que tem um namoradinho. Carla, sua mãe, conta toda feliz pra família toda e todos começam a falar: "ah, então você gosta dele? E ele, gosta de ti também? E vocês pretendem se casar? O que os pais dele acham disso? Que linda, Brenda! Muito fofo o relacionamento de vocês!".  Três meses depois, Brenda confessa para a tia: "Tô gostando de outra pessoa. Ela chama Bruna". Que tensão. A tia de Brenda sabe que hoje em dia todo mundo se aceita, ela mesma deu uns beijos em gurias quando era mais jovem, mas será que é certo achar que é certo a sua sobrinha de só 7 anos gostar de uma menina? Não é muito cedo pra isso? Ela conta para a irmã, que tem uma conversa séria com a filha: "Meu amor, você ainda é muito nova pra se decidir. Quero que saiba que tem toda a liberdade, mas isso é coisa de gente mais velha. Prefiro que você e essa Bruna continuem só amigas."


Depois de todos esses exemplos, como você considera sua educação em família? Você, que tem pais liberais, quantas expectativas eles te impuseram, mesmo sem saber que eram expectativas tão grandes assim? E você, que tem pais conservadores, quais outras coisas eles te desejavam na cara dura, sem te permitir pensar, opinar, justificar as próprias escolhas?


Agora pense em você mesma(o). Fala sério, gente, alguém aqui conhece algum pai ou mãe que tenha dito “é menina! Não me importo, vamos esperar pra ver com o que ela se identifica melhor”? Todos os pais, quando vêem o sexo de seus bebês, já vão identificando-os como tal. Não só nas roupinhas azuis ou rosas. Tem pai que compra tudo amarelo, verde, antes mesmo da ultra-som reveladora. Só que toda criança, quando cresce, vai fazer aquelas perguntas que a gente acha até idiotinhas.

“Ô pai, eu sou o que? Menino ou menina?”
“Menina, filha. Seu irmão tem bigulinho, você não.”
E fica por isso mesmo. Nada de dizer pra criança que tem homem que tem vagina, tem mulher que tem pênis, tem gente que não se considera nem homem nem mulher. Todos nós tratamos os bebês e as crianças como cissexuais (pessoas que se identificam com o órgão genital) desde sempre.

Também nunca ouvi falar em pais e/ou mães que tenham achado super bacana @ filh@ gostar romanticamente duma pessoa do mesmo sexo. É sempre “cedo demais”. Aliás, já ouvi muito “ah, então ele é gay? Quantos anos? Dezessete??? Tão cedo pra se decidir!”

Minha bisavó teve 10 filhos, minha avó, três, minha mãe, dois. Todas se casaram. Mas vou falar pra vocês: essa não precisa ser a regra. Você não precisa criar um filho junto com outra pessoa. Não precisa casar e ter filhos. Não precisa casar. A sua vida é sua. Mas muitos pais continuam insistindo que esse é o destino natural das coisas. "É assim, foi assim, e dá tão certo há tanto tempo, veja sua avó."

Você criou seu/sua filho(a) pra vencer, pode estar cheio(a) da grana ou não, mas criou pra pensar que estabilidade é sempre bom e é isso que ele(a) tem que ter pra vida. Mas daí ela decide seguir carreira de bailarina. Inspirada pela Ana Botafogo, talvez. Mas a Ana Botafogo é uma em milhares. Mas é isso que ela quer. E você não vai deixar. E vai achar ruim, e não vai parar de azucriná-la com opiniões chatas e nada incentivadoras, o dia todo, até ela esquecer disso.

Péra aí, pra que as pessoas tem filhos, mesmo?
Eu não sonho em tê-los. Mas se os tivesse, não seriam meus bonecos, e sim pessoas. Que vão se descobrir ao longo dos anos. Eu posso conversar sobre tudo com eles, mas nunca impondo minha opinião. Eu sei que eles podem sair tudo ao contrário do que eu, quando criança, quis para um filho. Quando criança, exatamente. Porque agora eu já cresci e sei que eles vão decidir várias coisas por eles mesmos.
Eu quero que a minha geração seja a geração da liberdade. Eu quero muito, muito mesmo, ver minhas amigas e meus amigos criando seus filhos da maneira mais liberal possível.
Vamos fazer uma revolução desde já, gente. Pensando nisso como se fosse lição de casa.

Você pretende criar seu filho como um bichinho virtual ou como uma pessoa?


10 comentários:

  1. Adorei o post, como sempre! Me lembrei de uma notícia recente da Angelina Jolie que ficou brava com a avó da filha dela pq ela andava comprando roupas femininas pra dar pra neta. E a filha da Jolie gosta de vestuário masculino. Ela é uma linda, só aumentou meu respeito <3 aqui o link da notícia http://www.quedelicianegente.com/2012/07/angelina-jolie-esta-furiosa-com-mae-de.html

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    1. Gente, achei digno a Jolie ter ficado indignada (FUI ELIMINADA. n) com a avó da filha. Furiosa, achei demais, mas esses sites sempre aumentam tudo. Achei maravilhoso que ela crie a filha pra ter a identidade que quiser. Que linda <3

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  2. Meus pais são superconservadores... Aqui em casa só existem duas profissões possíveis: médico ou advogado. Para minha sorte eu amo medicina e vou fazer isso mesmo. Já minha irmã mais nova não sabe que quer e segundo minha mãe "é inadmissível ela ter 16 anos e não saber o que quer".
    Eu entendo meus pais. Eles trabalharam muito para dar tudo o que deram para mim e minha irmã. Mas eu jamais faria como eles. Se eu tiver filhos, quero conversar com eles sobre tudo e sempre tentar entender qual é o ponto de vista deles e deixa-los fazer as próprias escolhas. Cada um tem sua vida e não é porque você é pai ou mãe que tem o direito de querer dominar a vida do seu filho.

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  3. Eu quero que a minha geração seja a geração da liberdade. +1

    Muito digno o post. Meus pais são tranquilos com isso, mas moro com minha avó, e nosssssssa, ela é muito preconceituosa! Entendo que a criação dela foi outra, e tal, então evito brigar. Mas antigamente ficava revoltada. Lembro que quando minha irmã mais velha deu o primeiro beijo e a notícia se espalhou pela família (1ª filha, 1ª neta... Todos queriam saber. Sofreu demais ela hahaha) minha avó chegou ao cúmulo de dizer "Mas e o menino, era branco ou preto??" e ela tem o mesmo tipo de comentários para sexualidade. Diz que um homem só gosta de outro homem (por exemplo) se tiver algo errado com ele, tipo uma doença. Eu discutia muito com ela, mas agora fico quieta. Melhor né.

    Mas enfim, pretendo criar meus filhos abertamente, como você disse no post, sei que eles vão tomar decisões por eles mesmos.

    Amei, Blanca!! <3

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  4. Achei digno o post, Blanca.
    Essa é uma das maiores questões: liberdade. Isso deveria transceder absolutamente qualquer coisa.

    Eu pretendo ter filh@s, sabe, e eu penso nessas questões. Penso em como será criar essas crianças no mundo em que vivemos. Não quero, gente. Não quero ter que explicar que a sociedade em que vivemos é imbecil, burra e preconceituosa. Não quero que el@s tenham contato com gente assim.

    Quero que el@s sejam livres e não tenham que sofrer por algo que nossos avós, pais, nós mesmo construimos. Então o jeito é lutar desde agora por uma sociedade mais igualitária que preze a liberdade de ser acima de qualquer coisa. Bater o pé e não permitir ser dominado em nenhum momento.

    É desgastante, mas é o único jeito.

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  5. Eu quero que a minha geração seja a geração da liberdade. +1
    Eu também pretendo ter filhos, e me esforçarei para que eles se sintam livres para ser como querem.
    Acho que terei muitos problemas, por exemplo se meu filho for gay/trans, em lidar com minha família, que é bastante conservadora e tal, mas sei que defenderei o direito que ele tem de ser gay/trans com todas as forças do meu ser, e que se necessário me afastarei dessa parte de minha família, para que meu filho fique longe de toda essa homofobia nojenta .
    Discuto muito com meus pais sobre essas questões desde já. Acho que consegui avanço em alguns aspectos, e tentarei progredir mais. Mesmo se eu não tiver filhos gays, quanto menos homofóbico no mundo, melhor.

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  6. Eu quero que a minha geração seja a geração da liberdade. +1

    NUNCA vou esquecer de quando eu tinha lá meus 5/6 anos e em uma viagem (pq aqui na minha cidade não se enxerga nada disso) vi um casal de homens andando de mãos dadas. Aí, obviamente, perguntei pra minha mãe como dois homens andavam de mãos dadas. Ela me explicou sobre homossexualidade como sendo a coisa mais normal do mundo.
    Pô, e ai eu cresci achando isso normal, sabe. Pq eu sabia que se eu gostasse de garotas a minha mãe apoiaria (já beijei garotas, contei pra ela, e ela achou o máximo rs).
    EU acho que a falta de preconceito começa pelos nossos pais, sabe. Claro que se temos a mente aberta isso é tudo diferente. Mas pais com a mente aberta consequentemente terão filhos com mente aberta (normalmente né).
    E eu acho que a nossa geração vai ser sim a geração da liberdade. Se não a nossa, a dos nossos filhos (que eu nem quero, mas né) com certeza será.

    Af que texto que eu tenho que escrever kkk amei o post Blanquela s2

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  7. :) amei o post
    sei bem como é isso dos pais que querem moldar os filhos, sofro na pele XD

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  8. Blaaaan, você escreve bem demais!! <3
    Olha, concordo com tudo do post, mas eu acho bem difícil criar filho, ainda mais criar sendo imparcial em relação a tudo. Claro, acho horrível os pais que restringem profissão e tratam crianças que já tem entendimento como retardados mentais que não podem saber nem o básico da vida, mas imaginem o quão difícil deve ser você criar uma coisa totalmente desprovida de preconceitos sendo que aquela coisinha veio de você e você quer que ela te tenha como um espelho de bons exemplos e coisas certas(lembrando que certo e errado não é algo pré-estabelecido e varia demaaaais)?
    Eu amei de verdade o post e também espero tudo isso da sociedade, mas acho que temos que ver o outro lado da moeda também.

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  9. Estas questões são muito complicadas mesmo. Mas quando eu tiver meu(s) filh@(s) vou tentar dialogar bastante, sobre tudo, desde cedo, porque isso é algo que eu não tive aqui em casa. Tudo sempre foi tratado meio que debaixo do pano... Meu pai é um pouco machista e acho que um pouco homofóbico, minha mãe costumava ser mais homofóbica, mas agora foi abrindo a cabeça e o único problema que ela tem mesmo é com trans*. Eu quase não tenho contato com meu pai, mas eu tento conversar com minha mãe, aos poucos... O problema é que essas coisas são difíceis de mudar. Fico feliz por eu ter conseguido me libertar desses preconceitos sozinha desde cedo). Ainda tenho coisas para melhorar, mas pelo menos eu não as ignoro...

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