terça-feira, 3 de julho de 2012

Sobre crônicas e seus cronistas

Olá, leitores e leitoras! Aqui é a Blanca, esse é meu primeiro post no Chá das 9. Prazer em conhecê-los :B

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Se tem uma coisa que eu gosto mesmo de fazer é ler. Não só gosto como amo, idolatro e defendo a leitura. O primeiro livro que me fez gostar muito mesmo de ler foi o Fala Sério, Mãe! da Thalita Rebouças. O livro é composto de uma forma muuuito legal: são crônicas/contos cronológicos. Histórias completas que se completam. Da barriga da mãe até os 22 anos, a história de Malu é contada em pílulas. É um livro leve, engraçado (até hoje eu o leio e rio muito). A escrita da Thalita é cativante.


Depois de ter essa overdose de Thalita Rebouças – tadinha da minha mãe, teve que me dar livro dela até na Páscoa - ,comecei a prestar mais atenção aos textos com humor parecido com o dela. Nos livros de português da escola, sempre curti muito ficar divagando e lendo as tirinhas (complementos nominais tem personalidade muito fraca, pelo amor de Deus), mas agora eu passava a aula toda procurando no índice os textos que iniciavam os capítulos. Em sua grande maioria, descobri depois, eram crônicas.


Todo mundo sabe que professores de português fazem um puta malabarismo pra explicar o conceito de crônica. Não é assim tão difícil-oh-impossível, mas é que às vezes gera sim algumas dúvidas. Vamos começar pelos outros:

Segundo Mário de Andrade, “conto é tudo o que o autor chama de conto”.  São historinhas fictícias. Têm um ou mais personagens e algo acontece com eles, gerando um conflito, que vai se estender até tudo se resolver (ou não). Contos não são tão grandes quanto um romance. O texto jornalístico passa uma mensagem: aconteceu coisa tal, em tal lugar. Pode haver argumentação. Não é fictício.

A crônica, dizem, é o meio-termo entre eles. Mas eu, pessoalmente, acho bizarro pra cacete pensar que um texto do Luís Fernando Veríssimo esteja próximo de um texto Jornalístico, então... vou colocar assim: crônica é uma em um monte. Pode ser uma história curta demais pra ser um conto, tanto quanto pouco desenvolvida. Pode ser um desabafo. O cronista pode querer contar algo que aconteceu na vida dele e isso dá em uma crônica. Ele imagina uma pequena cena acontecendo e quer retratá-la: crônica. O cronista pode querer argumentar sobre um assunto e isso também é uma crônica.  Surgiu apenas como um texto pessoal e segue assim até hoje, depois o pessoal se aprimorou e fez essas outras coisas bem legais citadas acima.

Como disse Fernando Sabino no seu discurso  na ABL, em 20 de Julho de 1990: "Assim também, tudo é genericamente chamado de crônica. Como se diz das doenças, não sendo aguda, é crônica...

Tenho a crônica num espaço muito especial no meu coraçãozão literário. Ela envolve tudo! Histórias, fantasias, piadas, o melhor do humor de todos os textos está contido nela.

Quanto mais aprendia sobre ela, desde aquele tempo que, com 12 anos, resolvi me interessar mais sobre literatura – pena que meu interesse por gramática só diminuiu -, mais observava o quão fodas eram os nossos cronistas. Meus professores se descabelavam pra tentar definir o conceito de crônica, e nos mostravam perguntas inúteis sobre elas, mas ninguém, ninguém mesmo reparava nos diferentes estilos de cada escritor. A crônica pra mim é, acima de qualquer outro texto literário, a que dá mais voz a tantos tipos de vozes. O cara pode escrever como ele quiser, porque a crônica sempre é baseada em como o cronista percebe o que ele e as outras pessoas fazem, como elas agem, quando agem. Daí vocês se perguntam “beleza então, Blanquela, mas minha professora passou um texto pra gente ler, chamou de crônica e o cara nem tava falando de um acontecimento da vida dele. Era uma coisa mais abstrata. E agora?”

O texto O Amor Acaba, de Paulo Mendes Campos, é um exemplo perfeito pra esse tipo de dúvida. Ele não trata de uma ida à padaria, não conta uma historinha pequena e engraçada, não é uma argumentação violenta. Também não é um texto jornalístico, nem tem um personagem principal. Ele trata do amor. Então como que um texto desses pode ser uma crônica, se crônicas são sempre textos pessoais?

Bora lá. O cara passa o texto todo falando sobre como, por que, onde e quando que o amor acaba. Ele não fez uma pesquisa sobre isso. “Ah, vou lá na Praça entrevistar um povinho, quem sabe até Platão me ajude!”, daí concluiu que o amor acaba “no sábado, depois de três goles mornos de gim à beira da piscina”. Ele não pediu ajuda ao IBGE pra dizer que “em Brasília o amor pode virar pó; no Rio, frivolidade; em Belo Horizonte, remorso; em São Paulo, dinheiro”. Todo esse descontentamento para, no fim, ele terminar dizendo que o amor acaba “para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto”.  É o seu amor? É o amor da sua avó e dos teus amigos? Não! Essa é a visão dele sobre o fim do amor.  Ele acha até que o amor acaba pra poder recomeçar.  Uma visão estritamente pessoal.
(cá entre nós, essa crônica é maravilhosa. Já a li milhares de vezes e perco o ar toda. Santa. Vez. além de me deixar totalmente angustiada por ele)

Quando lemos vários livros de um só cronista, ficamos amigos dele. Compartilhamos suas dores e suas alegrias. Rimos com suas histórias. A cada obstáculo vencido, a cada coisa mal dita, opinamos. Desejamos ter estado ao seu lado durante todo esse tempo. Às vezes, lendo um livro de Fernando Sabino,  me pego olhando pra cama ou pro teto, pensando em como seria legar tê-lo como companheiro de bar.

Dentre os principais cronistas brasileiros – você certamente já leu várias de cada um deles, nas aulas de português – estão:  Stanislaw Ponte Preta, Millôr Fernandes*, Henrique Pongetti, Rubem Braga, Carlos Drummond de Andrade (também poeta e mais reconhecido nesse ofício), Ivan Lessa, Ignacio de Loyola Brandão, Mário Prata, Rachel de Queiroz (escreveu também contos e romances), João Ubaldo Ribeiro, Machado de Assis, Luiz Fernando Verissimo, Lygia Fagundes Telles, Aldir Blanc, Vinicius de Moraes (poeta, meu poeta, poetinha...), Artur da Távola, Hélio Pellegrino,  Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos e Fernando Sabino.

Fernando Sabino e Clarice Lispector

A única coisa que me irrita nisso tudo é que todos esses fodões se conheciam. Otto, Hélio, Paulo e Sabino eram amigos desde pequenos, em Belo Horizonte. Quando foram morar no Rio, conheceram Drummond. Sabino se correspondeu por tempos com Mário de Andrade e Clarice Lispector. Vinicius de Moraes, junto com Tom Jobim, tomava altos chopps no bar Antonio’s, em Ipanema, com os quatro mosqueteiros mineiros. Rubem Braga também os conhecia. Ah, e os cronistas nãose conheciam só entre si. Conheciam Gabriel Garcia Márquez, Nara e Danuza Leão, Chico Buarque, Pablo Neruda... Resumindo: tenho uma inveja (não tão branca quanto eu gostaria) do cacete.

da esquerda pra direita: Sabino, Hélio, Otto e Paulo

A crônica é um bom modo de se abtuar a leitura. Tem gente que acha que, depois que a criança/adolescente começou com a crônica, só pode ler romances e contos. Não! Muitos romancistas e poetas, como frisei acima, foram também cronistas. A crônicas permite sim uma poesia interna. Vocês não leram a do Paulo Mendes Campos? Quem me disser que aquilo não tem poesia vai levar um socão na fuça. Obrigada.

Dicas de livros de crônicas:

“A Volta Por Cima” e “No Fim Dá Certo” de Fernando Sabino.
“Arte e Ciência de Roubar Galinha” de João Ubaldo Ribeiro
“O Melhor das Comédias da Vida Privada” de Luís Fernando Veríssimo.
“Para uma menina com uma flor” de Vinícius de Moraes.

Cada um com uma voz totalmente diferente. João Ubaldo com suas filosofias intermináveis e hilárias sobre a Ilha de Itaparica: parece que está ali, do nosso lado. Veríssimo com seus diálogos e situações inesperadas de gar-ga-lhar, Vinícius, fazendo uma poesia casual só que em prosa e Sabino, o menino que queria ser baterista em banda de jazz, com seu discurso sofisticadamente simples.

Leia também uma crônica do maravilhoso Vinícius de Moraes sobre o exercício da crônica, aqui.

11 comentários:

  1. BLAN SUA LINDA!!! Você é mais professora de Literatura do que muitos por aí çsdkljadkljsadl
    Adorei o post, ainda mais o textos que você postou, "O Amor Acaba" é lindo demais demais, muito emocionante! Amei tudo, bj <3

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  2. Amei o post. Pior que tem novela também, que é alguma coisa entre crônica e romance. Amo/sou professorinha Blanca

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  3. Amei Blancaaa, sou apaixonada por crônicas (Luis Fernando Veríssimo = s2 - sério, não perco uma no zh haha)
    E vc é uma professora maravilhosa viu só s2

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  4. muito bom, blancaaa
    sinceramente só leio crônicas em revistas, jornais e nas apostilas da escola, mas acho muito legal, principalmente as humorísticas. eu sempre pensei em crônica como um retrato do cotidiano, algumas situações e tal, mas você mostrou vários significados que eu nem me ligava hahaha
    "complementos nominais não têm personalidade" ALEKSANDRAVICIUS, blanca

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  5. Menina, que delícia de estreia, hein? Crônica é o meu estilo literário predileto, por estar em pleno acordo com a realidade. Depois disso, só o realismo fantástico de autores ibero-americanos me convence.
    Gosto muito do paulo Mendes Campos, das crônicas de Rubem Braga e Drummond. Quem vem me surpreendendo atualmente é o Rubem Alves, que escreve crônicas lindíssimas sobre os mais diversos temas: de política e religião ao amor e literatura.
    Adorei o seu texto, moça. Mil beijos!

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  6. O Melhor das Comédias da Vida Privada é realmente impagável.Foi o único livro de crônicas que parei pra ler, e acabei contagiando todo mundo em casa pra ler ele.q
    Depois dele, só tenho lido crônicas em revistas, ou nos livros de português que tem aqui.
    Vou ver se leio esses de Fernando Sabino. Já li umas crônicas dele e adorei.

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  7. O primeiro contato que eu tive com crônicas sabendo que elas eram crônicas foi com o Luiz Fernando Veríssimo... Lia direto na escola, e sempre adorava. Eu leio menos crônicas do que gostaria, e da última vez que fui na livraria fiquei namorando um livro do Sabino, louquinha pra comprar, mas, por estar sem dinheiro - e sem tempo - o máximo que eu pude fazer foi ler uma crônica, que por sinal era muito divertida (acho que se chamava "A invenção da laranja"). Crônicas são uma coisa gostosa para ser ler quando se está fora de casa, no ônibus por exemplo, pois não te prende tanto quanto um livro, no qual cada pausa pode ser uma quebra de clima chata na narrativa. Algumas crônicas são como aperitivos: rápidas, mas tão gostosas quanto uma refeição completa.

    Ah, e você falando dos escritores que se conheciam, não se esqueça do fato de que você me conhece, pelo pelo twitter, e com certeza conhece muitas outras pessoas que podem vir a um dia se tornar escritoras... Aí no futuro poderá dizer "Ah, eu seguia fulana no twitter quando era mais nova, trocávamos altas ideias e etc..." hahaha.

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  8. Veríssimo é amor s2
    É bom pra se habituar com a leitura de crônicas se ainda não está acostumado, é bom se você já ter "prática", é bom de todo jeito!

    Amei o post, Blanqsss! Parabéns hihihi
    Bjsss

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  9. Obrigada pelos elogios, lindas ♥

    Fiquei muito feliz que vocês todas amam o Veríssimo. Ele é tipo... muito foda mesmo. Todo mundo gosta dele, né? Até quem não gosta de ler. É um lindo. E esse ano ele está na FLIP e eu não tô lá! =( Fiquei mó triste, porque ele já tá meio velhinho e tal. Enfim. Esperança é a última que morre (e se morrer, que morra só depois dele, por favor)

    Claudia, não lembro se li essa crônica. Vc não lembra o título do livro? Tem biblioteca perto de onde cê mora/estuda? Com certeza tem algum livro dele. <3

    Ah, e aos que me chamaram de professora, fiquei tão feliz, porque é isso que eu quero ser, e.

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  10. As bibliotecas da federal tão de greve e na biblioteca estadual só posso pegar dois livros :( e geralmente os mais legais estão emprestados. Mas vou dar uma olhadinha depois. Não lembro o nome do livro não, só sei que apaixonei <3.

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  11. Ah, vocês voltaram! <3

    Acho que o melhor de crônicas é que é muito fácil se envolver e identificar com elas. Além de que, mesmo que você não tenha tempo pra nada na vida, dá pra tirar uns 10min do seu dia pra ler uma.

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